domingo, 14 de dezembro de 2014

E viveram felizes para sempre...


"Cresci a ver filmes da Disney, da Pixar, da Marvel, … E, por crescer, não quero dizer somente que via esses filmes de desenhos animados enquanto somava anos à minha vida, mas também que aprendi com eles. O oficial britânico percebeu que a índia não era tão ignorante assim e que até os selvagens tinham direito à sua liberdade; a jovem de um opressor regime imperial, cuja função era encher-se de pó de arroz e encantar um homem, dedicou-se à missão de defender a sua família e o seu país na guerra; a sereia casou-se com o humano; o príncipe encantado apaixonou-se pela criada; o ogre casou-se com a princesa, que afinal também era ogre; o super-herói era caixa de óculos; a criança não teve medo do monstro; a nerd apaixonou-se por uma besta; os gorilas amaram uma criança; um suricata e um javali educaram um rei; e todos viveram felizes para sempre. Todos estes personagens ensinaram-me a respeitar todos, a dar OPORTUNIDADES a qualquer um, a valorizar o diferente, a acreditar em quem somos e a lutar pelos nossos sonhos.








Os meus pais disseram-me que me adoravam tal como eu era; pediram-me para tratar toda a gente com educação e simpatia; incentivaram-me a estudar e a tirar boas notas para ter um bom futuro; salientaram, vezes sem conta, que, se eu me esforçasse, alcançaria os meus sonhos; fizeram-me prometer que nunca desistiria de ser feliz.

Na escola, fizeram-me pintar desenhos de meninos de várias raças de mãos dadas à volta do mundo; obrigaram-me a brincar com todos os colegas, porque devia ser amigos de todos; impunham que as meninas também pudessem jogar futebol connosco, porque nós não éramos mais do que elas e não tínhamos o direito de as excluir; explicaram-me que éramos todos iguais e todos especiais; mais tarde, já faziam com que fôssemos nós a debater o tema da discriminação e todos defendíamos acerrimamente, ainda que sem perceber muito bem a sua dimensão, o princípio da não discriminação; deixaram sempre bem claro, das mais variadas formas, que podia ser o que quisesse, desde que lutasse por isso;

A História, através de episódios como a abolição da escravatura, o reconhecimento de direitos, liberdades e garantias aos cidadãos, a instituição do sufrágio universal e a emancipação feminina, mostrou-me que as mentalidades evoluíram e que, pelo menos do lado civilizado do mundo, a sociedade passou a pautar-se pelo respeito pelos direitos humanos.

Estudei; esforcei-me por ser útil para a sociedade; cumpri as regras; fui correto com as pessoas; guiei-me por valores morais; respeitei os outros; tentei ver para além dos meus preconceitos e perceber as outras culturas; nunca me considerei acima de qualquer mulher só por ser homem; nunca desvalorizei alguém simplesmente por ser pobre; dei amor e amizade; nunca tive vergonha de quem sou; arranjei sempre maneira de acreditar em mim e de lutar pelos meus sonhos. Nem sempre foi fácil, vacilei e falhei muitas vezes, mas, até há quatro anos atrás, nunca tinha perdido a idoneidade.

Hoje: tenho trinta anos; o meu percurso académico é de sucesso; sou saudável; encontro-me num EMPREGO estável, bem remunerado e com grandes possibilidades de progressão; vivo numa boa casa; considero-me culto, inteligente, sociável e humano; os meus amigos e a minha família são essenciais para mim; casei há quatro anos ao abrigo da Lei nº9/2010, de 31 de Maio; sou um apaixonado, pela vida e por ele; ele compreende-me, respeita-me, completa-me e ama-me; o nosso sonho é educar e amar uma criança.

Mas a nossa situação familiar, sermos dois homens apaixonados e casados, não é idónea e, tendo em vista a realização do superior interesse da criança, que, se fosse educada e amada por nós, sofreria um trauma que lhe eliminaria qualquer OPORTUNIDADE de ser um daqueles quebra-preconceitos heróis da Disney, não nos é permitido adotar.

Porque é que, afinal, não posso viver feliz para sempre?"
                                                                                
Carolina Macedo dos Santos

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